sábado, 20 de dezembro de 2008

Crueldades Natalinas

Sinto arrepios quando se aproxima o Natal. Não gosto, admito. Mas meu estômago ronrona só de imaginar as castanhas, as carnes douradinhas e outras delícias da ceia. Mas, francamente, é também uma época que me irrita. Olho em torno e não vejo o tal espírito natalino. Estarei mais míope do que já sou? Não há nada mais distante do que o espírito natalino, por exemplo, que nos estacionamentos de shopping nestes dias. Outro dia fui ao shopping com meu pai. Ficamos cinqüenta minutos rodando. Eis que surge uma vaga! Fomos entrar, pois o carro de trás colou no meu, sem espaço para manobrar, meu pai pediu:
- A senhora pode dar ré?
Ela foi sutil como uma rena:
- Vai que dá, se não conseguir, deixe a vaga para mim.
Respondi, suave tal qual um sino:
- Seu pára choque é de borracha?
Disse e pedi para que meu pai engatasse. Ela fugiu, espavorida. Venci, mas perdi o humor de escolher presentes. Aliás, é justamente nesse item que as pessoas manifestam as pequenas crueldades. Amigo oculto, por exemplo. Todo ano, juro nunca mais participar. Quando vejo, já estou trocando bilhetinhos como uma desvairada. Este ano, recebi propostas indecorosas de uma figura que assinava “Instinto selvagem”. No dia da festa, descobri consternada que o tal “loirinho sexy” não passava de um espinhento colega de classe. Só me vinguei ao revelar, para um bigodudo publicitário, como a ta da “Macaxeira apaixonada” o enlouqueceu durante todo o mês. Todo mundo riu bastante e ganhei uma carteira bem legal por sinal. Tive sorte. Um amigo meu presenteou a amiga secreta, uma secretária, com um pacote de fraldas descartáveis Estranhei. Ele explicou que fora prático: a jovem acabara de ganhar um bebê. Revelei ao distraído que a feliz mamãe era a outra secretária. Respondeu o selvagem:
- Bem...sempre é uma lembrança.
E que lembrança! Nunca vou esquecer o sorriso raivoso da presenteada. Já vi situações parecidas. Tenho uma tia que odeia cozinhar. Seu cardápio se resume a bife com arroz. Certo natal, meu primo a presenteou com um livro de receitas. Centenas delas. Ela pesou o livro nas mãos com lampejos nos olhos. Pensei que ia atirar na cabeça dele. Quando eu era criança, minha mãe pedia:
- Quero presente para mim, não para a casa.
Meu pai concordava, sorridente. E ano após ano recebia batedeiras, jogos de panela, pratos. Um dia ela gemeu:
- Já tenho tudo para a cozinha. Não gastem à toa.
Nós nos cotizamos e demos um aspirador de pó. Jamais esquecerei dos olhos de sofrimento. Mas ela também comete erros. Quando eu tinha 15 anos, passei por uma fase hippie, com roupas multicoloridas. Até hoje ganho saiotes e blusas em cores lancinantes da minha genitora. Para faze –la feliz, digo que gosto. Pior: uso, quando tenho que sair com ela para algum lugar. Outro dia fui confundida com um guarda – sol.
Mas presente que mais me atormenta é o que parece cambalacho. São os que vem disfarçado de coisa chique, embora sejam bem simplesinhos. Um exemplo é ganhar três saches de cetim em uma superembalagem. Atualmente, tem centenas de seguidores capazes de nos convencer de que três saches de cetim são um presente inesquecível. Francamente, é duro receber um pacote glamuroso, que dá impressão de conter um diamante, e descobrir, bem no fundo da caixinha , um vidro de pimenta-do-reino.
Presentes mutáveis, ou os que mais parecem disfarce são uma fonte infindável de desastres. Uma vez fui a uma festa natalina com um amigo meu, secreto. Tudo ia muito bem até que machão da família – um barbudão – ganhou uma bolsinha de strass. Fatalidade do sorteio, digamos. Foi um mal estar. Uma tia se ofereceu: trocaria dois coelhinhos de sabonete que ganhara pela bolsinha. Todos suspiraram, aliviados. Mas o barbudão olhou para a bolsinha longamente, pestanejou e disse:
- Fico com ela, é o destino.
Ninguém entendeu. Nem quis. Correram para trinchar o peru. É por isso que neste natal, resolvi ser romântica. Se não tenho verbas, resta a imaginação. Dar um presente é um instante de felicidade, e é por isso que vou buscar em cada escolha. Porque, afinal de contas, é o momento mais bonito que o espírito natalino tem realmente a oferecer.

5 comentários:

Unknown disse...

Hahaha.

Além de engraçado, é verdadeiro.
Nao existe mais espírito natalino.

Mas também não ligo. Enterrei meu espírito natalino junto com minha crença.

Unknown disse...

Tá aí.
Natal é uma boa época pra se explorar as pessoas.
Aproveite.
Você só tem essa oportunidade no natal e no seu aniversário.

Unknown disse...

EU ODEIO O NATAL.

Rubem Rocha disse...

E para o barbudo? Lingerie esse ano?
haha
Belo texto. Belo humor!

Natani Lima disse...

Nunca me diverti em festas natalinas.
As únicas coisas boas são os presentes e as comidas mesmo!
Espirito natalino realmente não existe, existe espirito capitalista isso sim!
Ah!Eu gosto da decoração também.
haha