terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Calorias e culpas

Tenho horror de engordar. Também é por estética. Já se foi a época em que sonhei ser a versão feminina tupiniquin do Mick Jagger. Sempre fui um pouco vaidosa. Mas, entre um prato de talharin e a silhueta, eu costumo optar pelo primeiro. Sem falar em profiteroles, mousses, coraçõezinhos de frango no espeto, torresminho, patos na laranja, feijoada, capuccinos, cervejinhas, batatinhas fritas e hambúrgueres com bastante ketchup e mostarda.
Quem tem boca grande sabe como é que é. Não me arrependo. Durante muito tempo eu a minha barriga até tentamos ser felizes. Mas não resisto mais à maldade humana. Vou fazer regime.
O gordo, seja apenas rechonchudo ou tipo barril - há também o modelo alambique -, é uma vítima do veneno constante, destilado em cada encontro por amigos, parentes, amores. Todos se tornam fiscais do peso. Basta ganhar um quilinho, lá vem alguém com um sorriso pérfido:
- Engordou?
Já pensei muito sobre esse sorriso. Cumplicidade?
Coisa nenhuma. É alegria. A pessoa se compara e acha que está mais magra. Ou que ficarei tão gordo quanto ela. Puro instinto de concorrência. Todos se vigiam. O gordo fiscaliza do gordo. O magro, a todos. Quantas vezes, no momento de garfada em alguma delícia suculenta, ouvi meu companheiro de mesa:
- Isso engorda.
E daí, se engorda? As pessoas ficam felizes com a nossa expressão de culpa, que anula o prazer do quitute sedutor.
Se tivesse a mesma paixão por vigiar assaltantes, o país seria um mar de rosas. Mas a conspiração é contra o gordo.
Se de pessoas rotundas e felizes que, depois de anos sendo atormentadas, se internas em spas. Para depois, durante a noite, devoram os brotos das samambais da decoração. Há o caso do spa que prometia massa no cardápio. Ofereceu quatro fios de espaguete aos gordos seduzidos pela propaganda. Nem os gregos imaginam tal suplício.
Uma amiga, rechonchuda foi visitar o Muro das Lamentações em Israel. Um árabe aproximou -se do irmão dela e ofereceu cem camelos pela beldade. Sim, os árabes gostam das gordinhas. E também continuam com o hábito medieval de compra -las em haréns, acreditem ou não. O irmão declinou a oferta, chocado. Minha amiga não conforma até hoje:
- Foi a minha única chance de me tornar um símbolo sexual. Sem parar de comer.
Vendedora de loja, então, é um terror. Basta pedir um jeans e dar o número. Ela faz um falso ar de dúvida:
- Não sei se temos o tamanho.
Admira por instantes a minha expressão de infelicidade e culpa. Depois me atira uma calça ainda mais larga, alegremente.
Mas o pior é quando se começa o regime. Todos esses seres que nos cercam, preocupados com a gordura e bem estar da gente, mudam da água para o vinho:
- Vai um uisquinho aí?
- Obrigada, comecei o regime.
- Um só não engorda.
Todos se unem para gritar, em coro uníssono: - um só, um só...huum!
De repente, cedo a tentação. Uma bala. Um marzipã. Um sorvete. Uma vodka. Um mousse. Um leitão assado. Uma dúzia de quindins. O jeito é fazer regime em segredo. Mais aí vem outro problema. Hoje em dia quem emagrece demais ganha olhar torto. Dia desses, minha mãe comentou assustada sobre a vizinha, idosa senhora de cabelos tingidos de vermelho:
- Está emagrecendo muito. Será que é Aids?
Imaginei a pobre velha vaidosa, comendo uma espiga de milho por dia, para parecer magra, e alvos das fofocas da vizinhança.
Prestes a iniciar o regime, me vejo na obrigação de ficar igualzinha a uma modelo fotográfia. Eu que nunca pensei em aparecer pelada na novela. Só me consola saber que não sou tão gorda assim. Imagino que, para os pesadões, a vigilância é bem pior. E as mulheres? Além de magras, são obrigadas a parecer jovens até dos setenta anos. Os fiscais do peso alheio andam de olho gordo, à espreita. E hoje em dia, só aceitam mesmo a perfeição.

4 comentários:

Unknown disse...

Calorias e culpa mostra de forma divertida, leve e bem interessante a "eterna luta", digamos da mulher, com a balança.
Muito bom texto!

Natani Lima disse...

As vendedoras de lojas são as piores.
São muito sinceras hauahauah.
Mas hoje em dia, tem que ser perfeita mesmo.Os padroes de beleza exigem isso de todas mulheres.Mas eu, sinceramente, sinto muito para esses padroes de beleza, me aceitei como sou.Não vou ficar me matando para emgarecer mais não.Cansei hauahau

Eu adorei seu texto, Iza!

Unknown disse...

oi, gostosa [alt+3]

Unknown disse...

Adorei o texto, e acredite... Vivo coisas desse tipo!
beijo querida e parabéns pelo texto!