Poucas amizades resistem a um carnaval passado na praia. Foi o caso. Eram dois casais, tão íntimos que um era padrinho do outro. O engenheiro e o publicitário jogavam bola desde crianças. A mulher do primeiro, historiadora, falava todos os dias com a do segundo, ceramista. Alugaram juntos uma casa numa ensolarada praia carioca. Foram ao supermercado, encheram o carro de cerveja, macarrão e picanha. O publicitário tinha o mapa, e resolveram sair juntos. No último instante, a surpresa.
- É minha prima psicóloga - explicou a ceramista.
- Convidei, tudo bem?
A psicóloga sorriu, amigável. O engenheiro pensou:
“E o supermercado? Ela deveria dividir”. Não teve coragem de tocar no assunto. Ninguém tocou. A estrada foi um martírio habitual dos feriados. A custo, na noite fechada, encontraram a casa. A chave não funcionou. Enquanto o marido entrava pelo vitrô da cozinha, a historiadora suspirou.
- Isso aqui é o paraíso.
- Tem borrachudo - constatou a psicóloga – Trouxe repelente?
Nos olhos da historiadora, um cintilar de terror: claro que não. Nesse instante, o engenheiro abriu a porta pelo lado de dentro. Entraram animados. A primeira reação foi semelhante à dos convidados do castelo do Conde Drácula – uma perplexidade total com o odor de mofo. O publicitário sorriu:
- É que o sujeito que me alugou é amigo de um amigo meu e só aluga para gente conhecida. Senão deixa fechada
Otimistas, descarregam o carro. O engenheiro pegou uma sacola de cervejas e abriu a geladeira. Um rato pulou de dentro pulou de dentro.
- Ahh – gritou, enquanto as garrafas quebravam no chão.
O publicitário fingiu que achava tudo normal. Como tinha alugado a casa, assumiu o papel de defendê – la de todos os seus defeitos. Sorriu diante da água barrenta das torneiras, do chuveiro quebrado dos dois quartos – não eram três? Até a ceramista reagiu:
- Se eu soubesse, não tinha convidado minha prima.
- Não se preocupe, vou para um hotel - retrucou a psicóloga.
Houve uma pequena sessão de “deixa disso” e a ofendida ficou na sala.. Duas horas depois, o arrependimento: a psicóloga roncava como um avião, e os outros passaram a noite toda se remexendo nas camas. Na manhã, ela fresca e remoçada.
Roendo os dentes, os dois casais a acompanharam à praia.
Que sol! O engenheiro deitou de bruços na areia e adormeceu. Depois, o publicitário fez um macarrão com vôngole – adorava cozinhar. Serviu o almoço às quatro da tarde. As mulheres em torno da mesa. Mas e o...?
Foi encontrado no sétimo sono, na areia. Bicolor. Nem podia sentar, pois as costas começaram a repuxar no ato. A historiadora o cobriu de creme e ele ficou tão gorduroso quanto uma panqueca. Não faltaram aplausos ao cozinheiro. Encantado, este declarou:
– Agora, uma de vocês lava a louça.
– Pra quê? – indagou a psicóloga . – Porque somos mulheres?
– Eu cozinhei, vocês lavam.
– Cozinhar para você é um prazer. Nós compartilhamos a sua felicidade ao comer o macarrão.
A historiadora se aliou à tese:
– Se você pedisse, eu teria cozinhado. Não suporto pia.
Rosnando, o publicitário olhou a mulher. Ela se fez de rogada:
– Você sempre tenta impor a sua forma de ver as coisas.
– E você sempre contra mim.
Começou o bate-boca. A ceramista correu para o quarto. O publicitário foi para a pia. De noite, a historiadora, com os braços gordinhos das picadas de mosquitos, abriu uma lata de atum e todos fizeram sanduíche, menos a psicóloga e a ceramista, que acusou:
– Você disse que ia cozinhar.
– Peça para a sua convidada que até agora não pôs a mão no bolso, por sinal. Vou cuidar do meu marido.
Ofendidas, as duas foram a um bar das imediações.
Com as costas em chamas, o engenheiro acusou o publicitário de ter escolhido mal a casa. Discutiram. Às cinco da manhã, quando ouviu uma mulher chegando às gargalhadas, com a psicóloga, entoando uma marchinha, o publicitário partiu, com os pneus cantando, decidido a se desforrar nos blocos de carnaval do Rio. Foi sua sorte. Os outros foram levados para inquérito, por arrombamento e invasão de domicílio.
Estavam na casa errada. Culpa do mapa ou do publicitário?
Não se sabe, pois nunca mais falou com ninguém.
quinta-feira, 5 de março de 2009
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4 comentários:
Isso tem uma veracidade impressionante, sendo teu ou não, agradeço por me proporcionar essa leitura.
PS: acho que vou ser aquele teu amigo que acaba sentindo saudade e mesmo assim não liga.
Houve um engano quando comente. Ao ler o comentario da outra pessoa... bom tu entendeu a confusão, ainda valem os elogios, na verdade devem valer mais, acabo de te comparar a João Ubaldo, seja lá quem ele for. haha
Toda jornalista já *-*
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