quinta-feira, 5 de março de 2009

Carnaval na praia

Poucas amizades resistem a um carnaval passado na praia. Foi o caso. Eram dois casais, tão íntimos que um era padrinho do outro. O engenheiro e o publicitário jogavam bola desde crianças. A mulher do primeiro, historiadora, falava todos os dias com a do segundo, ceramista. Alugaram juntos uma casa numa ensolarada praia carioca. Foram ao supermercado, encheram o carro de cerveja, macarrão e picanha. O publicitário tinha o mapa, e resolveram sair juntos. No último instante, a surpresa.
- É minha prima psicóloga - explicou a ceramista.
- Convidei, tudo bem?
A psicóloga sorriu, amigável. O engenheiro pensou:
“E o supermercado? Ela deveria dividir”. Não teve coragem de tocar no assunto. Ninguém tocou. A estrada foi um martírio habitual dos feriados. A custo, na noite fechada, encontraram a casa. A chave não funcionou. Enquanto o marido entrava pelo vitrô da cozinha, a historiadora suspirou.
- Isso aqui é o paraíso.
- Tem borrachudo - constatou a psicóloga – Trouxe repelente?
Nos olhos da historiadora, um cintilar de terror: claro que não. Nesse instante, o engenheiro abriu a porta pelo lado de dentro. Entraram animados. A primeira reação foi semelhante à dos convidados do castelo do Conde Drácula – uma perplexidade total com o odor de mofo. O publicitário sorriu:
- É que o sujeito que me alugou é amigo de um amigo meu e só aluga para gente conhecida. Senão deixa fechada
Otimistas, descarregam o carro. O engenheiro pegou uma sacola de cervejas e abriu a geladeira. Um rato pulou de dentro pulou de dentro.
- Ahh – gritou, enquanto as garrafas quebravam no chão.
O publicitário fingiu que achava tudo normal. Como tinha alugado a casa, assumiu o papel de defendê – la de todos os seus defeitos. Sorriu diante da água barrenta das torneiras, do chuveiro quebrado dos dois quartos – não eram três? Até a ceramista reagiu:
- Se eu soubesse, não tinha convidado minha prima.
- Não se preocupe, vou para um hotel - retrucou a psicóloga.
Houve uma pequena sessão de “deixa disso” e a ofendida ficou na sala.. Duas horas depois, o arrependimento: a psicóloga roncava como um avião, e os outros passaram a noite toda se remexendo nas camas. Na manhã, ela fresca e remoçada.
Roendo os dentes, os dois casais a acompanharam à praia.
Que sol! O engenheiro deitou de bruços na areia e adormeceu. Depois, o publicitário fez um macarrão com vôngole – adorava cozinhar. Serviu o almoço às quatro da tarde. As mulheres em torno da mesa. Mas e o...?
Foi encontrado no sétimo sono, na areia. Bicolor. Nem podia sentar, pois as costas começaram a repuxar no ato. A historiadora o cobriu de creme e ele ficou tão gorduroso quanto uma panqueca. Não faltaram aplausos ao cozinheiro. Encantado, este declarou:
– Agora, uma de vocês lava a louça.
– Pra quê? – indagou a psicóloga . – Porque somos mulheres?
– Eu cozinhei, vocês lavam.
– Cozinhar para você é um prazer. Nós compartilhamos a sua felicidade ao comer o macarrão.
A historiadora se aliou à tese:
– Se você pedisse, eu teria cozinhado. Não suporto pia.
Rosnando, o publicitário olhou a mulher. Ela se fez de rogada:
– Você sempre tenta impor a sua forma de ver as coisas.
– E você sempre contra mim.
Começou o bate-boca. A ceramista correu para o quarto. O publicitário foi para a pia. De noite, a historiadora, com os braços gordinhos das picadas de mosquitos, abriu uma lata de atum e todos fizeram sanduíche, menos a psicóloga e a ceramista, que acusou:
– Você disse que ia cozinhar.
– Peça para a sua convidada que até agora não pôs a mão no bolso, por sinal. Vou cuidar do meu marido.
Ofendidas, as duas foram a um bar das imediações.
Com as costas em chamas, o engenheiro acusou o publicitário de ter escolhido mal a casa. Discutiram. Às cinco da manhã, quando ouviu uma mulher chegando às gargalhadas, com a psicóloga, entoando uma marchinha, o publicitário partiu, com os pneus cantando, decidido a se desforrar nos blocos de carnaval do Rio. Foi sua sorte. Os outros foram levados para inquérito, por arrombamento e invasão de domicílio.
Estavam na casa errada. Culpa do mapa ou do publicitário?
Não se sabe, pois nunca mais falou com ninguém.

4 comentários:

more one marketing's game. disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Rubem Rocha disse...

Isso tem uma veracidade impressionante, sendo teu ou não, agradeço por me proporcionar essa leitura.

PS: acho que vou ser aquele teu amigo que acaba sentindo saudade e mesmo assim não liga.

Rubem Rocha disse...

Houve um engano quando comente. Ao ler o comentario da outra pessoa... bom tu entendeu a confusão, ainda valem os elogios, na verdade devem valer mais, acabo de te comparar a João Ubaldo, seja lá quem ele for. haha

Caren Fonseca disse...

Toda jornalista já *-*