sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Torturas domésticas


- Acordo de madrugada com um som irritante de torneira pingando. A cozinha fica longe do meu quarto, mas meus ouvidos adoram mostrar que funcionam. Levanto. Tento fechar. Sai mais água ainda. Enrolo um pano de prato. Embora tudo esteja bem pior, mas pelo menos posso dormir. A cascata faz menos ruído que o pingo. De manhã, inicio a romaria em busca de um encanador. Tento por telefone, aproveitando um cartão que deixaram dentro da lista telefôncica.
- Alô, é do encanador?
Ouço um gritinho infantil:
- Alô, alô!
- Coisinha linda, chama seu pai?
A criança começa a cantar. Finalmente, uma mulher pega o aparelho:
- Ele foi fazer um serviço.
- Posso deixar um recado?
- Liga depois que é melhor.
- Ele foi trabalhar, ou fugiu de casa?
Ela bate o telefone. Rasgo o cartão. Saio a pé. Pergunto nas imediações, e me indicaram uma oficina. Vou até lá. Está aberta, mas há um balcão vazio. Bato palmas. Um rapaz sai de trás de uma cortina. Exponho o meu problema.
- Deve ser a borrachinha - Conclui.
O diagnóstico é sempre o mesmo. A tal da borrachinha parece ser a panacéia dos encanadores. Explico que moro sozinha e que estudo e trabalho. Não poderia ir agora? Recusa - se, como se estivesse tão ocupados quanto um executivo da bolsa. Ligo para o meu chefe:
- Alô, tenho que faltar porque a torneira está pingando.
Desligo antes que me demitam. Aguardo. Vejo todos os programas de televisão vespertinos e o encanador não aparece. Volto no final da tarde. Ele observa, como se nunca tivesse me visto antes. Peço:
- Venha agora.
- Vou amanhã.
Tenho vontade de me ajoelhar, implorar para que conserte minha torneira. À noite, um amigo me ajuda a trocar a borrachinha. Durmo aliviada.
Mas não me conformo. Por que esse tipo de serviço é tão difícil?
Cada vez que preciso de encanadores e eletricistas, passo por um calvário. Uma amiga minha estava tomando banho. O chuveiro começou a pegar fogo. Ela saiu gritando pelada pelo corredor do prédio. O zelador consegiu desligar a chave geral e evitou o desastre. Chamou o eletricista:
- Precisa trocar a fiação
- Do apartamento todo?
- Do prédio. Mas é bom dá um jeito logo no apartamento.
Uma semana depois, novo incêndio. Minha amiga fez um escândalo com o eletricista, mas continua tomando banho frio e está mal falanda entre os vizinhos, de tanto aparecer em público nua e aos berros.
As mulheres sofrem muito mais nesse caso do que as homens. Encanadores e eletricistas acham que elas sabem menos do que um homem e tentam enrolar. Uma amiga quis resolver um entupimento:
O encanador:
- São 50 reais.
- Você nem viu o que é!
- Médico também não cobra consulta antes de saber qual é a doença?
Pior é o tipo que diz, simpático:
- A gente acerta na hora.

Chega em casa, enfia um arame para limpar o cano ou aperta a torneira com um a chave de fenda. Retira a rolha com o orgulho de um cirurgião que extripou o apêndice. Depois, cobra o preço do apêndice. Não adianta argumentar. Eles desenvolvem uma técnica infalível. A gente fala, fala e eles ficam parados, impassíveis, sem mover um músculo, com a chave de fenda na mão. Nunca vi ninguém que deixasse de pagar.
Eles talvez possuam uma sociedade secreta, em que revelam seus planos:
- Hoje arrumei uma válvula, mas botei cimento no cano.
- Consertei o chuveiro, mas desencapei três fios. Espere só até ligarem o liquidificador.
Deve ser o que chamam de união de classe. O primeiro conserta, deixando o futuro armado para o próximo. Se não bastasse, esse tipo de trabalho anda cada vez mais caro e difícil. Quando se pensava no futuro, eu via livros, bons restaurantes, uma cerveja gelada. Agora, só enxergo uma chave de fenda. É possível que nem todos nós conquistemos os quinze minutos de fama. Do jeito que as coisas vão, porém, sempre teremos nosso dia de encanador.

2 comentários:

Caren Fonseca disse...

HAHAHAHAHAHA,muito boa essa precisa de um homem pra ser amante e concertar as coisas

thisisthenewshit disse...

Ou um homem que não saiba porra nenhuma disso, mas que toque violão e cante pra você e você não se estressar com essas coisas, né?
*olha pra cima*