domingo, 23 de maio de 2010

A arte do assalto

Saio da padaria e ando rapidamente até o carro. Quero chegar cedo em casa antes passar meu filme favorito no telecine cult. Eles se aproximam quando eu abro a porta. Percebo imediatamente que não perderei apenas o filmezinho cult mas também o carro. Já estou suficientemente treinada para entrgar as chaves antes que falem qualquer coisa. Olho para os dois, mantenho a minha digníssima calma e digo:
▬ Tu-tu-do be-bem!
Sou obrigada a ir no banco ao lado. Indico o caminho que leva diretamente à periferia. Ofereço pãezinhos:
▬ Aproveitem, estão quentinhos.
Eles me olham, simpáticos. Faço tudo para que o clima seja o mais agradável possível. Tento contar uma piada, mas ninguém ri. Sou deixada num viaduto. Gentis, eles garantem que só querem o veículo para uma fuga.
Poderei encontrá-los no outro dia. Levam os pãezinhos. Quando se vão, respiro fundo. Vitória! Os ladrões ficaram satisfeitos. Nunca mais achei o carro, mas fui elogiada por todos os amigos porque me comportei bem. É uma loucura.
A rapinagem está atraindo tal número de meliantes em inicio de carreia que o asssalto é quem deve administrar o roubo.

Uma amiga minha, psicóloga, foi retirar dinheiro num caixa automático de uma avenida importante. Início de noite, local tinha movimento. Ao sair, abriu cordialmente a porta para um adolescente bem vestido que esperava. Era o assaltante . Empurrada para dentro por ele e um comparsa, foi obrigada a conduzir o assalto contra ela mesma. Ensinou os dois a usar o cartão magnético e tentou acalmá-los, porque estavam nervosos. Depois explicou que entendia a situação e não tinha nada contra o fato de ser roubada, algo tão normal atualmente. Até avisou:
▬ Escondam o revólver que a polícia tá passando.
Tornou- se a cúmplice perfeita. Discordou da idéia de irem embora à pé. M0strou onde tinha um estacionamento. Em compensação, negociou o dinheiro do taxi.
E quando a casa é invadida? Um casal que conheço foi mestre na arte de receber diante das escopetas.
▬ Querem um café enquanto meu marido abre o cofre? Ou preferem uma refeição? - ela ofereceu.
Um deles quis uísque. O marido sugeriu:
▬ Meu filho, não beba. Você vai fugir, a rua tem policiamento. É arriscado. Leve a garrafa.
O líder aceitou o palpite e pediu bifes. Ao mesmo tempo em que os dois rapazes acompanhavam o proprietário em busca de valores, a mocinha de expressão selvagem foi à cozinha com o hostess.
Depois de séculos longe das panelas, esta fez um jantar sofisticado. Serviu na mesa de jacarandá. O casal comeu junto. A certa alturam, ela comentou, charmosa:
▬ Desculpem, foi só um cardápio rápido. Se pudesse, teria feito uma receitinha francesa que vocês iam amar. Mas leva tempo. Quem sabe...
Todos se olharam. Quem sabe uma outra vez, ela quis dizer? Os da rapina ficaram constrangidos. Um deles foi delicado:
▬ Não esquenta, dona. Tá muito bão.

Despediram - se cortesmente. Só conheço um caso que terminou em violência. Foi com um amigo da esquerda radical. Ao ser travado, não só se deixou depenar com leveza como ainda quis conscientizar o gatuno:
▬ É isso aí, companheiro. Estou do seu lado, porque sei o que é a crise e do desemprego. Mas você tem que entender que a expropriação dentro de uma perspectiva mais ampla.
Levou um tapa. É raro.
Dia desses, um executivo recebeu um telefonema:
▬ Alô? Aqui é o rapaz que levou o seu carro e sua carteira.
▬ Oba! Como vai?
Tudo certo, tio. Queria apenas avisar que vou devolver seus documentos pelo correio. Olha, desculpa o contra tempo, mas sei que o seguro cobre o monza. É minha profissão. Você entende.
▬ Puxa, é claro. Boa sorte, hein?

Há algo de podre neste reino, mas não imagino sequer como resolver. Só me resta, como Hamlet, olhar para uma caveira e reclamar para fantasmas. Ou então, na próxima vez, mirar firme o safado e partir pra prática:
▬ Sinto muito, mas o senhor está fazendo tudo errado. Passa a arma. Pronto. Agora, a grana. De assaltos eu entendo mais que você!

4 comentários:

William Bruno disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Muito bom, realmente tem que ser artista, tem que ser um ator digno de receber alguma estatueta. Ser assaltado e mesmo assim manter a calma, cantar, fazer uma piadinha não é pra qualquer um. Eu ainda não sei como reagir em assaltos, pois nunca fui assaltado, mas assim que viver essa experiencia, eu conto tudo em um 'Conto\dramático\humoristico'

Unknown disse...

Explique o texto "a arte do assalto "a partir da leitura da crônica

Unknown disse...

Diante do comportamento do narrador durante o assalto como os ladrões agiram